sábado, 10 de março de 2012

Mind the Gap

Tenho certeza que as pessoas que não dão a mínima pra Londres têm 768 milhões de vezes mais chances de ir a Londres do que eu.
Tenho calafrios, taquicardia, enjoos, hiperventilação, cada vez que penso na idéia de estar ali.
Como é que alguém mora, paga contas, pega trânsito e faz cocô em Londres??? Londres não existe. Londres está num filme, Londres está num livro. Na Wikipedia a palavra “Londres” acusa “etimologia desconhecida”...(http://en.wikipedia.org/wiki/Etymology_of_Londonou seja, cabe tudo ali; é a história de cada um... quem vai decidir o significado é cada pessoa. Pra mim Londres é o lugar da totalidade, da realização dos sonhos, do passeio limpo, do sarcasmo não apenas perdoado mas eternamente celebrado.
A parte de mim que sente – e causa! - estranhamento vivendo no Brasil encontra lugar confortável em Londres e leva um carimbo: “By Appointment to Her Majesty the Queen”, e logo abaixo, traz um aviso: “Mind the Gap”.

A cidade concentra uma infinidade de coisas que eu amo: o idioma, a arquitetura, a estética, o espaço público, Shakespeare, Harry Potter, a memória dos Beatles, a moda. Inclusive coisas que são sabidamente rechaçadas como a comida e o clima. O que faz com que eu ame ainda mais esta inexplicável melancolia que conversa intimamente com um pedaço de mim que eu nem sei se conheço muito bem. De toda forma, ele grita. Está aí o lugar do estranhamento, do diferente, da falta de identificação com o lugar onde nasci e sempre estive. Amo meu país, mas Londres entra onde não sou brasileira, mas uma mistura de um DNA estranho que conta histórias cujo murmúrio me dá apenas pistas da minha completa incapacidade de entender o que vai dentro de mim...mas que em muitas páginas soa em inglês.

O idioma que orientou minhas escolhas profissionais, que fez com que cada manhã fosse preenchida com ilusões e desejos de que a vida fosse um pouco menos comum. Que fosse possível contar a história de um outro jeito, que fosse necessário tocar uma outra música que explicasse melhor minha fome incontrolável. Um tipo de alento que te acalma naqueles momentos em que o dedo indicador ossudo e cheio de veias da Sra. Inadequação te aponta os vazios que só aquela unha afiada consegue trazer à luz. A Tia Psicanálise também não perde a deixa, e vem simplificando tudo, passando um detergente aroma erva doce por todo lado e categorizando tudo nos caixotes do Lugar do Outro, das Pulsões, da Falta. Mais uma vez, “Mind the Gap”.

Em alguns momentos, sou uma brasileira orgulhosa de minha condição latino-americana, de cidadã culturalmente híbrida. Em outros, sou Saladin Chamcha – “A voiceover artist and ardent anglophile...the man of a thousand voices and a voice” -  vendendo minha própria alma em favor de um inglês bem falado. O próprio fato de ter me formado em Literatura e Línguas me compõe também de aulas de Estudos Culturais, das Grandes Narrativas, da Alteridade... Meu Diploma bem enrolado me dá um tapa bem estalado no meio da testa e me faz lembrar que isto não existe, que isto é uma projeção da minha cabecinha louca, que tem milhões de pessoas vivendo ali que simplesmente não dão a mínima praquela cidade que, pra eles, é como qualquer outra. Tantos dariam tudo pra mudar dali, pra viver num país ensolarado e colorido. Da mesma forma que deve cansar viver num clima frio e nublado, essa felicidade solar obrigatória do brasileiro às vezes me deprime. As nuances das estações me interessam, assim como os matizes mais sombrios das pessoas.


Como num casamento feliz, me recuso a me acostumar e achar super trivial conviver com o homem lindo que mora comigo. Me recuso a achar banais as coisas que me falam ao coração. Adoraria ser mais blasé com relação a Londres. Mas aí perde-se toda a graça!

6 comentários:

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  2. It's touched me somewhere I didn't even know existed... How can we just feel so connected to a place totally and completely different from what we call home, from this very strange land we call our own? I still think of spending the rest of my life there, but then I take a deep breath... and realise I'm not cool enough, in each and every sense of the word. Thanks, my fabulous friend - nothing like a blow of fresh air... ;*

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  3. UAU! :-) Que texto incrível, Carolita. Orgulho dessa prima, a mais bretã dentre todos os Romano. Beijoca.

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  4. Querida, no comments. Você simplesmente arrasou. A special kiss from your daddy que foi muito feliz passando fome em Londres aos 23 anos de idade, a cabeça com milhares de sonhos do lado de dentro e cabelos compridos do lado de fora, sacudidos pelo vento gelado do Hyde Park de tardinha...

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  5. Por isso que a Laura gosta tanto de você, acho que se identifica, não conheço nenhuma outra adolescente que prefira Londres aos Estados Unidos, só ela, diz que quer fazer intercambio em Londres..

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  6. Chique demais!! Faz nos esquecermos do metrô lotado e céu nublado. Como sabe, as portas estão sempre abertas. Em troca poderia olhar o Kaio por uns dias. Estamos exaustos... :0)

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