sexta-feira, 29 de junho de 2012

Revoluções Por Minuto


Hoje, com 25 anos de atraso, fui ao show do RPM.

Não, juventude, não me julgue, não zombe de mim. Pra quem conheceu o Paulo Ricardo como “o cara que canta a música do Big Brother”, there’s a lot you’re missing here.

O ano era 1986 e eu não podia ir ao show no Mineirinho. Isso era coisa de adulto.

Neste tempo remoto existiam ‘músicas de cunho político’. Arranhavam-se faixas dos LP’s. Havia censura declarada, não essa coisa velada e caramelizada que (não) vemos hoje. A juventude era angustiada e se incomodava com coisas. Difícil de entender isso hoje, mas acreditem. Era assim mesmo. Raspinhas dos anos 80 que foram muito mais que uma década ‘fashion’ em que se usavam ombreiras, polainas e se ouviam fitas K7.

O Brasil era um lixo em muitos aspectos. O dinheiro mudava de nome a toda hora, e as coisas de preço a cada dia (às vezes no mesmo dia)! Não existia esse mundaréu de shoppings, importação, não havia Internet, nem CDs, não se viajava pros EUA com essa facilidade e ninguém queria ir a Buenos Aires.



O RPM era a banda mais roqueira que o Brasil – ou eu - já tinha visto até então, com direito a passagens de seu vocalista pela polícia por porte de drogas. Na época em que não existia muita psicologia infantil e o politicamente correto não havia tomado os meios de comunicação, eu de 7 anos e o Waltinho de 10, nos agredíamos física e verbalmente nos embates pela figurinha mais rara do álbum.  Nela havia uma foto do Paulo Ricardo sob uma luz que o deixava parecendo uma caveira, e ele – lembro que descobrimos isso com uma sensação deliciosamente criminosa – exibia uma narina sangrando. Era a coisa mais heavy metal que eu já tinha visto até então! Foi nossa única briga, primo – pela figurinha do Paulo Ricardo com o nariz sangrando que eu de fato não lembro quem foi de nós que tinha tirado...mas lembro da ira que senti quando tive que pegar em armas pra defender meu direito a ela.

E um dado muito importante: Paulo Ricardo era casado com a Luciana Vendramini, the ultimate trophy girl que qualquer cara da época daria a mão direita e outras extensões de seu corpo pra ter. Era o casal mais irritantemente perfeito da época.



Toque o meu coração

Eu vinha de uma fase intensa latino-americana em que o LP do Menudo animava minhas manhãs pré-escolares. Apesar de ser louca pelo Charlie eu entendia –sempre fui resignada – que a mim caberia, no máximo, o Ricky Martin, que na época tinha 13 anos. 


Engraçado como as paixões infantis acontecem. O rock do RPM me pegou pelo pescoço. Coisa de pirata mesmo. Eu nutria pequenas obsessões pelo Paulo Ricardo - que incluía ficar espiando as corridas de F1 naquele autódromo que se chamava (ou chama?) “Paul Richard” - mas não sabia muito bem o que fazer com tais paixões. Ou com ele. O que eu, aos 6, faria com um cara de 25 anos? Sei lá. Ele poderia me pagar um suco, me buscar na escola ou se casar com minha mãe. Qualquer coisa que o permitisse fazer parte da minha vida. É assim que deve ser com as estrelas do rock. Elas te enchem de ilusão, te fazem brigar com seu primo e anos depois destroem seu coração gravando a música do Big Brother.



Puxa vida, Paulo Ricardo.

Tá bom, por trás daquela narina sangrando também batia um coração. O lance com a Luciana foi baixo astral, imagino. Mas você era malvado. Você usava aquela camisa de telinha preta. Você fazia a voz rouca em London, London e eu nem sabia que a música era do Caetano. Eu confiava em você putz! Depois você gravou aquela música meio mística com o Milton Nascimento, que falava de ‘mágicos e faunos na floresta/lógica da física concreta/ cânticos eternos como o vento/ tempo de escutar a Terra falar’...eu já devia desconfiar.



Alvorada Voraz

Hoje vi você ao vivo, pela primeira vez. Eu me devia isto. Devia isto ao meu “eu de 1987”. Mas o rock já não cabe em você, ou você não cabe mais no seu rock, como também não cabe muito bem dentro daquela calça. Ou de qualquer outro estilo musical. Eu dancei, gritei, cantei junto... até durante Naja, que eu sempre pulava no disco pois não tem letra, eu fiquei em pé vibrando. Mas já não era você...a não ser pela voz, não acreditei que era você ali. Tantos casamentos e muitos quilos depois, um figurino trocado a toda hora, e pensado por alguém que deve ter recebido uma nota pra ‘criar’ aquelas combinações. Um monte de músicas bizarras meio romanticonas blasé, com o “P.A.- Paulo Pagni” e o bonitão do Fernando Deluqui ali fazendo um treco meio unplugged (eles estavam meio envergonhados, não estavam? Eu achei que estavam.). Depois uma versão – não se fazem versões, ainda mais dos Rolling Stones! – com um arremedo de coreografia Mick Jaggeriana. Não curto Stones, mas respeito. Foi feio. E não, o Mick não vai liberar os direitos pra você. Porque se liberar, aí nem respeito eu vou ter mais.

Como planejado pela produção, começou então a Pirataria. Confesso, me diverti muito, mas muito mesmo. Voltei no tempo e, aos 7 anos não existe nenhum tipo de julgamento a respeito de nada. Eu ri muito, me emocionei de verdade. Cantei as músicas pela primeira vez entendendo a letra. Vi que em “Olhar 43” você diz: “é a chave de todo pecado, e da libido”- aos 7 eu não conhecia essa palavra e achava que nessa parte você fazia um scat que pra mim soava “idaleebeedoo”.

Eu precisava ter visto este show de hoje. Nele o tempo passou como se eu entrasse no hiperespaço ou acelerasse dentro do DeLorean. Então hoje eu cresci.

Querido Paul Richard, te guardarei pra sempre num canto do coração em que você ficará congelado e não se parecerá em nada com o que vi hoje.

Em 1987 eu era mais plenamente eu do que jamais conseguirei ser de novo. 

E acho que você também.

(Waltinho, acabou de me ocorrer que talvez tenha sido você quem desenhou de caneta vermelha aquele sangue na figurinha pra me impressionar. Se foi você, por favor não me conte, tá?)

sábado, 10 de março de 2012

Mind the Gap

Tenho certeza que as pessoas que não dão a mínima pra Londres têm 768 milhões de vezes mais chances de ir a Londres do que eu.
Tenho calafrios, taquicardia, enjoos, hiperventilação, cada vez que penso na idéia de estar ali.
Como é que alguém mora, paga contas, pega trânsito e faz cocô em Londres??? Londres não existe. Londres está num filme, Londres está num livro. Na Wikipedia a palavra “Londres” acusa “etimologia desconhecida”...(http://en.wikipedia.org/wiki/Etymology_of_Londonou seja, cabe tudo ali; é a história de cada um... quem vai decidir o significado é cada pessoa. Pra mim Londres é o lugar da totalidade, da realização dos sonhos, do passeio limpo, do sarcasmo não apenas perdoado mas eternamente celebrado.
A parte de mim que sente – e causa! - estranhamento vivendo no Brasil encontra lugar confortável em Londres e leva um carimbo: “By Appointment to Her Majesty the Queen”, e logo abaixo, traz um aviso: “Mind the Gap”.

A cidade concentra uma infinidade de coisas que eu amo: o idioma, a arquitetura, a estética, o espaço público, Shakespeare, Harry Potter, a memória dos Beatles, a moda. Inclusive coisas que são sabidamente rechaçadas como a comida e o clima. O que faz com que eu ame ainda mais esta inexplicável melancolia que conversa intimamente com um pedaço de mim que eu nem sei se conheço muito bem. De toda forma, ele grita. Está aí o lugar do estranhamento, do diferente, da falta de identificação com o lugar onde nasci e sempre estive. Amo meu país, mas Londres entra onde não sou brasileira, mas uma mistura de um DNA estranho que conta histórias cujo murmúrio me dá apenas pistas da minha completa incapacidade de entender o que vai dentro de mim...mas que em muitas páginas soa em inglês.

O idioma que orientou minhas escolhas profissionais, que fez com que cada manhã fosse preenchida com ilusões e desejos de que a vida fosse um pouco menos comum. Que fosse possível contar a história de um outro jeito, que fosse necessário tocar uma outra música que explicasse melhor minha fome incontrolável. Um tipo de alento que te acalma naqueles momentos em que o dedo indicador ossudo e cheio de veias da Sra. Inadequação te aponta os vazios que só aquela unha afiada consegue trazer à luz. A Tia Psicanálise também não perde a deixa, e vem simplificando tudo, passando um detergente aroma erva doce por todo lado e categorizando tudo nos caixotes do Lugar do Outro, das Pulsões, da Falta. Mais uma vez, “Mind the Gap”.

Em alguns momentos, sou uma brasileira orgulhosa de minha condição latino-americana, de cidadã culturalmente híbrida. Em outros, sou Saladin Chamcha – “A voiceover artist and ardent anglophile...the man of a thousand voices and a voice” -  vendendo minha própria alma em favor de um inglês bem falado. O próprio fato de ter me formado em Literatura e Línguas me compõe também de aulas de Estudos Culturais, das Grandes Narrativas, da Alteridade... Meu Diploma bem enrolado me dá um tapa bem estalado no meio da testa e me faz lembrar que isto não existe, que isto é uma projeção da minha cabecinha louca, que tem milhões de pessoas vivendo ali que simplesmente não dão a mínima praquela cidade que, pra eles, é como qualquer outra. Tantos dariam tudo pra mudar dali, pra viver num país ensolarado e colorido. Da mesma forma que deve cansar viver num clima frio e nublado, essa felicidade solar obrigatória do brasileiro às vezes me deprime. As nuances das estações me interessam, assim como os matizes mais sombrios das pessoas.


Como num casamento feliz, me recuso a me acostumar e achar super trivial conviver com o homem lindo que mora comigo. Me recuso a achar banais as coisas que me falam ao coração. Adoraria ser mais blasé com relação a Londres. Mas aí perde-se toda a graça!

domingo, 1 de janeiro de 2012