Hoje, com 25 anos de atraso, fui
ao show do RPM.
Não, juventude, não me julgue,
não zombe de mim. Pra quem conheceu o Paulo Ricardo como “o cara que canta a
música do Big Brother”, there’s a lot you’re
missing here.
O ano era 1986 e eu não podia ir
ao show no Mineirinho. Isso era coisa de adulto.
Neste tempo remoto existiam ‘músicas
de cunho político’. Arranhavam-se faixas dos LP’s. Havia censura declarada, não
essa coisa velada e caramelizada que (não) vemos hoje. A juventude era
angustiada e se incomodava com coisas. Difícil de entender isso hoje, mas
acreditem. Era assim mesmo. Raspinhas dos anos 80 que foram muito mais que uma
década ‘fashion’ em que se usavam ombreiras, polainas e se ouviam fitas K7.
O Brasil era um lixo em muitos
aspectos. O dinheiro mudava de nome a toda hora, e as coisas de preço a cada
dia (às vezes no mesmo dia)! Não existia esse mundaréu de shoppings, importação,
não havia Internet, nem CDs, não se viajava pros EUA com essa facilidade e
ninguém queria ir a Buenos Aires.
O RPM era a banda mais roqueira
que o Brasil – ou eu - já tinha visto até então, com direito a passagens de seu
vocalista pela polícia por porte de drogas. Na época em que não existia muita
psicologia infantil e o politicamente correto não havia tomado os meios de
comunicação, eu de 7 anos e o Waltinho de 10, nos agredíamos física e
verbalmente nos embates pela figurinha mais rara do álbum. Nela havia uma foto do Paulo Ricardo sob uma
luz que o deixava parecendo uma caveira, e ele – lembro que descobrimos isso
com uma sensação deliciosamente criminosa – exibia uma narina sangrando. Era a
coisa mais heavy metal que eu já tinha visto até então! Foi nossa única briga,
primo – pela figurinha do Paulo Ricardo com o nariz sangrando que eu de fato
não lembro quem foi de nós que tinha tirado...mas lembro da ira que senti
quando tive que pegar em armas pra defender meu direito a ela.
E um dado muito importante: Paulo
Ricardo era casado com a Luciana Vendramini, the ultimate trophy girl que qualquer cara da época daria a mão
direita e outras extensões de seu corpo pra ter. Era o casal mais
irritantemente perfeito da época.
Toque o meu coração
Eu vinha de uma fase intensa latino-americana
em que o LP do Menudo animava minhas manhãs pré-escolares. Apesar de ser louca
pelo Charlie eu entendia –sempre fui resignada – que a mim caberia, no máximo,
o Ricky Martin, que na época tinha 13 anos.
Engraçado como as paixões infantis
acontecem. O rock do RPM me pegou pelo pescoço. Coisa de pirata mesmo. Eu
nutria pequenas obsessões pelo Paulo Ricardo - que incluía ficar espiando as
corridas de F1 naquele autódromo que se chamava (ou chama?) “Paul Richard” - mas
não sabia muito bem o que fazer com tais paixões. Ou com ele. O que eu, aos 6,
faria com um cara de 25 anos? Sei lá. Ele poderia me pagar um suco, me buscar
na escola ou se casar com minha mãe. Qualquer coisa que o permitisse fazer
parte da minha vida. É assim que deve ser com as estrelas do rock. Elas te
enchem de ilusão, te fazem brigar com seu primo e anos depois destroem seu
coração gravando a música do Big Brother.
Puxa vida, Paulo Ricardo.
Tá bom, por trás daquela narina
sangrando também batia um coração. O lance com a Luciana foi baixo astral,
imagino. Mas você era malvado. Você usava aquela camisa de telinha preta. Você
fazia a voz rouca em London, London e eu nem sabia que a música era do Caetano.
Eu confiava em você putz! Depois você gravou aquela música meio mística com o
Milton Nascimento, que falava de ‘mágicos e faunos na floresta/lógica da física
concreta/ cânticos eternos como o vento/ tempo de escutar a Terra falar’...eu
já devia desconfiar.
Alvorada Voraz
Hoje vi você ao vivo, pela
primeira vez. Eu me devia isto. Devia isto ao meu “eu de 1987”. Mas o rock já
não cabe em você, ou você não cabe mais no seu rock, como também não cabe muito
bem dentro daquela calça. Ou de qualquer outro estilo musical. Eu dancei,
gritei, cantei junto... até durante Naja, que eu sempre pulava no disco pois
não tem letra, eu fiquei em pé vibrando. Mas já não era você...a não ser pela
voz, não acreditei que era você ali. Tantos casamentos e muitos quilos depois,
um figurino trocado a toda hora, e pensado por alguém que deve ter recebido uma
nota pra ‘criar’ aquelas combinações. Um monte de músicas bizarras meio
romanticonas blasé, com o “P.A.- Paulo Pagni” e o bonitão do Fernando Deluqui
ali fazendo um treco meio unplugged
(eles estavam meio envergonhados, não estavam? Eu achei que estavam.). Depois
uma versão – não se fazem versões, ainda mais dos Rolling Stones! – com um
arremedo de coreografia Mick Jaggeriana. Não curto Stones, mas respeito. Foi
feio. E não, o Mick não vai liberar os direitos pra você. Porque se liberar, aí
nem respeito eu vou ter mais.
Como planejado pela produção,
começou então a Pirataria. Confesso, me diverti muito, mas muito mesmo. Voltei no
tempo e, aos 7 anos não existe nenhum tipo de julgamento a respeito de nada. Eu
ri muito, me emocionei de verdade. Cantei as músicas pela primeira vez
entendendo a letra. Vi que em “Olhar 43” você diz: “é a chave de todo
pecado, e da libido”- aos 7 eu não
conhecia essa palavra e achava que nessa parte você fazia um scat que pra mim soava “idaleebeedoo”.
Eu precisava ter visto este show
de hoje. Nele o tempo passou como se eu entrasse no hiperespaço ou acelerasse
dentro do DeLorean. Então hoje eu cresci.
Querido Paul Richard, te
guardarei pra sempre num canto do coração em que você ficará congelado e não se
parecerá em nada com o que vi hoje.
Em 1987 eu era mais plenamente eu
do que jamais conseguirei ser de novo.
E acho que você também.
(Waltinho, acabou de me ocorrer que talvez tenha sido você quem desenhou de caneta vermelha aquele sangue na figurinha pra me impressionar. Se foi você, por favor não me conte, tá?)